O crédito agrícola e a lei do mínimo ou dos factores limitantes

Eng. Fernando Pacheco, Engenheiro Agrónomo, Novembro 2024

2º ARTIGO DE OPINIÃO

Quando se analisa a situação do sector agrícola angolano na perspectiva do empresário, ou se interroga alguém que queira iniciar uma actividade agrícola ou pecuária, o acesso ao crédito é invariavelmente considerado o principal constrangimento ou condicionador. Todavia, uma análise mais fina e o acompanhamento que se faz ao sector ao longo dos anos permite concluir que há um elevado número de outros factores, ligados aos empresários, mas também ao contexto em que o agronegócio tem lugar, que terão de ser removidos para que este seja rentável.

A maioria dos empresários agrícolas que recorre ou pretende recorrer ao crédito não tem experiência empresarial ou em agricultura – ou em ambos os domínios – padece de uma enorme falta de conhecimentos agrotécnicos e de gestão e, sobretudo, tem dificuldades em encontrar referências em termos de boas práticas empresariais no país em qualidade e número significativo. Daí deriva uma elevada falta de sensibilidade para a valorização do conhecimento em geral e das capacidades dos técnicos que eventualmente terá de recrutar, decorrendo não raramente tensões e conflitos que põem em causa o próprio projecto. Isso explica a baixa produtividade e quase nula competitividade da esmagadora maioria das explorações, ainda que por vezes tenham à sua disposição recursos financeiros avultados.

Essa fragilidade dos empresários explica as limitações do projecto em si, como os bancos tantas vezes se queixam – ainda que estes não estejam livres de responsabilidades, pois também estes têm as suas limitações, é sempre bom reconhecer. Justifica-se, entretanto, um parêntesis para questionar o vício do projecto, pois, em muitos casos, as necessidades são, ou deveriam ser, limitadas a verbas para adquirir um ou outro equipamento, viaturas ou insumos. Regressando aos projectos, os candidatados a financiamento bancário são, na generalidade, mal concebidos e mal dimensionados e a sua implementação é afectada por enormes fragilidades humanas. Nessas condições, a sua viabilidade encontra-se à partida, em situação de risco. Ainda que por vezes o projecto tenha sido bem concebido e prevista a aquisição de equipamento e insumos para a implementação de tecnologias de produção consideradas modernas – fruto do conhecimento e da capacidade do consultor contratado para facilitar ou garantir o financiamento – o sistema de produção praticado pelo empresário reflecte uma visão “tradicionalista” ou conservadora e precária, logo, sem possibilidades de alcance das produtividades e produções projectadas.

A experiência mostra que, no ambiente de crise vivida, para a maioria dos projectos financiados o cumprimento de prazos de pagamento, que já era difícil, tornou-se quase uma impossibilidade, pois raramente se conseguiam concretizar os investimentos nos prazos definidos contratualmente, dada a fragilidade ou precariedade do mercado de insumos e serviços e de abastecimentos em geral. Além disso, as frequentes desvalorizações da moeda obrigam a cortes nos equipamentos e nas infra-estruturas, o que afecta as capacidades produtivas. Isto é particularmente verdadeiro para projectos que arrancam do zero, o que traz à tona outra questão que tem a ver com o “vício do projecto” instalado antes referido.

Em biologia ou química agrícola considera-se factor limitante a qualquer um dos factores capaz de limitar um processo dependente de factores múltiplos, como o crescimento de um organismo ou a nutrição de plantas. A lei do mínimo, popularizada por Justus von Liebig, de nacionalidade alemã, refere que o crescimento, ou o processo, é regulado por um factor limitante, ou seja, pelo recurso mais escasso, e não pelo total de recursos abundantes ou disponíveis. Por mais recursos que se proporcionem, se não se dispuser do recurso limitante ou escasso em quantidade minimamente satisfatória, os resultados serão ineficazes e ineficientes.

Aplicada ao desenvolvimento agrícola, nacional ou empresarial, esta lei permite dizer que não vale a pena injectar recursos financeiros, por maiores que sejam, a um empreendimento se houver um factor considerado limitante. Este pode ser o conhecimento ou qualquer outro, como a ausência ou qualidade de terra, de solo ou de água, ou ainda a fragilidade das instituições ou dos serviços, entre muitos outros. Usa-se uma analogia com uma selha, constituída por aduelas interligadas que representam os factores, para se perceber que ela só estará cheia de água (indicador da quantidade de produção) se todas as aduelas estiverem no nível mais alto, mas basta uma aduela baixar de nível para água (ou a produção) descer até esse nível.

É isto que explica muitos dos insucessos da nossa agricultura, seja a nível empresarial ou familiar.

É urgente e mesmo inadiável que esta questão seja assumida por políticos, governantes e empresários, pois, caso contrário, a nossa agricultura não terá sucesso nem sustentabilidade.